Irmandade de Santa Cruz


Jeronymo Portilo, que morava à entrada da rua de São Marcos, «homem muito piedoso, e que inspirava nos seus discípulos os mais religiosos sentimentos» , resolveu com os seus alunos fundar uma «confraria juvenil» no ano de 1581, «para com ela promoverem e manterem o culto, conservação e ornato, no dia próprio do referido cruzeiro da proximidade: o que no mesmo ano fora aprovado pelo Ordinário da cidade»

Foi bem aceite a ideia do mestre-escola, que mais tarde em 1583 se tornou religioso da Companhia de Jesus, pelas pessoas gradas da cidade e mesmo de fora, que entraram para membros da nova Confraria, como o licenciado Pedro da Grãa Botelho, um dos homens mais ilustres da cidade, o mestre-escola da Colegiada de Cedofeita, António Martins Tinoco, o virtuoso Abade da Giela, João Dias Leite e muitos outros que assim contribuíram para a expansão da Confraria que via aumentar com o número de devotos as muitas ofertas que faziam à devoção à Santa Cruz.

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Por tal motivo suplicou a Confraria ao Prelado de então para se estabelecer na capela do Espírito Santo, na velhíssima capela de São Marcos, mais tarde demolida para dar lugar ao imponente edifício, risco do arquitecto Carlos Amarante, e que é hoje a igreja do Hospital de São Marcos, «afim de que o Sagrado Lenho pudesse receber os maiores cultos» assim diz Sena Freitas na sua obra Memórias de Braga que vimos citando.

O cruzeiro que deu origem a esta confraria, por se achar junto ao lugar onde se levantaram os alicerces da nova Igreja foi, ao tempo do Arcebispo D. Sebastião de Matos e Noronha, removido para o fundo da rua dos Pelames, para junto da capela de Santa Justa, e encontra-se actualmente na secção lapidar do Museu D. Diogo de Sousa, junto ao Paço Medieval, no Jardim de Santa Bárbara, segundo informação do falecido Dr. Alberto Feio.

Devem, portanto, datar de 1581 os primeiros Estatutos que logo em 1592 foram alterados, para de novo o serem mais cinco vezes até 1762: 1630, 1664, 1702, 1720 e 1762. Em 1617, conforme se lê no Livro de Memórias nº 1, foi resolvida a edificação de um templo para albergar a Irmandade que, de ano para ano, via aumentar de irmãos e devotos, «aonde se hão de gastar mais de dois mil cruzados». Assentou-se então comprar algumas casas na rua do Anjo para que «a obra pudesse ocupar parte do espaço denominado CASTELO RODRIGO, onde então havia restos de torre da velha muralha romana de que se encontram vestígios na Quinta do Avelar».

Decorridos oito anos, o Arcebispo D. Afonso Furtado de Mendonça procedeu à bênção do terreno onde iria ser implantado o templo, dando-se então início às obras. No entanto a construção da igreja decorria com morosidade, pelo que o mesmo Arcebispo, para dar um impulso à obra, concedeu licença para que os operários cortassem pedra nas tardes dos dias Santos de Guarda.

A obra de pedreiro ficou concluída em 1653, tendo-se despendido até então mais de 50 000 cruzados, exceptuando as torres, que foram concluídas em 1694, obra adjudicada ao mestre de pedraria Manuel Fernandes da Silva, no ano anterior. Segundo Silva Thadim no seu manuscrito Diário Bracarense, p. 70, «custou a pedraria, vidraças, grades de pau preto, lageado das varandas e mais miudezas, 7500 cruzados».

Apesar da morosidade das obras, a estrutura do templo cedo principiou a dar sinais de ruína. Assim, a 16 de Novembro de 1731, a Mesa convidou o mestre Manuel Fernandes da Silva, então ocupado a dirigir as obras reais do Convento de Mafra 6, para a reparar em parte. No entanto, apesar de dar início às obras, não as completou, deixando até parte das paredes demolidas e a igreja exposta ao tempo, deteriorando o seu interior. Para impedir e dar solução a este descalabro a Confraria representou «a el-rei pedindo-lhe para mandar que o sargento-mor não impessa que o dito mestre com seus officiais que acharem libertados das reaes obras de Mafra, possa continuar o dito reparo».

Assim e de novo nos diz Silva Thadim, na obra citada e a pp. 103 e 105, o seguinte:

«1734 — Concertou-se a igreja de Santa Cruz, desfazendo-se o corpo dela ficando somente a fronteira e fazendo-se novas torres com grandes cunhais para ela e outros pela rua que os não tinha. Em o mês de Agosto de 1739, se acabou e aperfeiçou a fronteira da Igreja de Santa Cruz e no ano de 1738, se fez novo pateo com escadas para o que se desfez todo o velho.»

Segundo o Livro de Memórias nº 2, fol. 329, foram arquitectos da Igreja, Geraldo Álvares, natural desta cidade, mas beneficiado em Margaride, o mestre de obras Francisco Vaz, o licenciado João Dias Leite, Abade da Giela e o Rev.o Dr. Pedro de Coimbra Andrade.

Da primitiva igreja hoje apenas resta a fachada, de traçado imponente. As torres, como acima ficou dito, são mais recentes. «O seu traçado honra sobremaneira os construtores, principalmente o arquitecto Padre Geraldo Álvares e o mestre de obras Francisco Vaz.

(Costa, Luís, O Templo de Santa Cruz, Irmandade de Santa Cruz, 1993, Cap 1)